
Cansada de rezar a Santo Antônio, a jovem balzaquiana
quebrou a imagem de gesso e apelou para outro protetor.
Chamou para uma séria conversa o seu anjo da guarda e
deu-lhe um ultimato: estipulou um prazo para conhecer o futuro marido: o último
dia de maio.
Sucederam-se os dias - ela ia conhecendo pessoas no
trabalho, no clube, nas lidas diárias.
A cada encontro, casual que fosse, perguntava-se: será
este? - e pedia ao anjo um sinal, que tardava.
Chegado o último dia de maio, eis que na sua sala está o
vizinho, velho conhecido de infância, a pedir emprestado o jornal.
O anjo atendera enfim às suas preces. Era ele !
Claro que, antes de ser marido, deveria ser namorado, e
como fosse ele seu namorado (embora ele ainda não o soubesse), ela corou, fez-se
tímida, sorriu o mais encantador dos sorrisos e desmanchou-se em gentilezas -
café, biscoitos, música...
E como fosse ele seu namorado (embora ele ainda não o
soubesse), ela o convidou para o almoço de domingo e decorou a casa com flores e
deixou o baralho bem à vista, um convite para prolongarem a tarde preguiçosa ...
E como fosse ele seu marido (embora ele ainda não o
soubesse), ela confiou nele, confidenciou-lhe as idéias mais secretas,
contou-lhe seus sonhos.
E como fosse ele seu marido (embora futuro, e embora ele
ainda não o soubesse), ela abandonou-se mulher, como um fruto maduro de outono a
ofertar a polpa saborosa e nutritiva.
Ele a colheu tão naturalmente que ela nem percebeu em que
momento exato a vida penetrou em suas entranhas, demoliu seus pré- conceitos e
lançou-a em chamas em seus braços acolhedores de homem.
E não que ela quisesse fazer-se de moderna, contrariar os
rígidos princípios de sua educação católica ou mudar o seu comportamento,
porque, afinal, nos dias de hoje etc... - é que, como fosse ele seu marido
(embora futuro e embora ele ainda não o soubesse), ela despetalou-se, flor, e
esparramou-se em ondas sobre o leito.
E o milagre aconteceu.
E hoje, sendo ele de fato de papel passado o seu marido
bem amado, uns olhos de feiticeira piscam para ela com malícia do outro lado do
espelho e lhe confessam, despudorados, que o anjo da guarda não teve nada a ver
com a estória.
O conto acima é extraído do livro: Dias de Verão–– de autoria de Sonia
Rodrigues -Ed. Leganar
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